Consequências da pandemia
Queda é de 63% nos exames preventivos pela rede pública
Sem os procedimentos, diagnóstico precoce em casos de câncer não acontece
Jô Folha -
Há um mês, a prefeitura de Pelotas autorizou, via decreto municipal, a retomada de 50% dos exames de média complexidade na rede pública e privada de saúde. Em três meses sem os atendimentos, aproximadamente 1,8 mil pacientes deixaram de realizar procedimentos como ultrassons e mamografias, os check-ups anuais de rotina. Os exames preventivos são o caminho para um diagnóstico precoce de câncer, o que pode fazer toda a diferença em um tratamento oncológico.
Em comparação ao último ano, nos meses de março, abril e maio, houve uma queda de 63% nas solicitações de exames como mamografias, ultrassom mamário e transvaginal. Nos últimos três meses, 1.080 solicitações chegaram à Secretaria Municipal de Saúde (SMS), seja por meio das Unidades Básicas de Saúde, Centro de Especialidades ou ambulatórios das Universidades Federal e Católica de Pelotas (UFPel e UCPel). No ano anterior, foram 2.927 solicitações no mesmo período.
A medida que o serviço for normalizado, novos pedidos de procedimentos devem ser encaminhados pela rede de saúde. Assim, uma demanda ainda maior chegará nos próximos meses. A expectativa da diretora da Atenção Especializada da SMS, Fernanda Lessa, é que “o gargalo vai apertar entre julho e setembro. Nessa época do ano, o pessoal costuma marcar os exames pro Outubro Rosa”, explicou. O mês simboliza a campanha nacional pelos diagnósticos precoces do câncer de mama, patologia que mais mata mulheres no Brasil.
Consequência da baixa procura pelos exames, os diagnósticos também sofreram uma queda; sem exame, não tem como concluir o laudo do paciente. “O exame preventivo leva ao diagnóstico precoce”, lembrou a diretora da Atenção Especializada. Assim que começar a andar, a fila dos procedimentos não deve ser normalizada tão cedo - fato que deve ocorrer somente no final do ano, acredita Fernanda. Segundo a SMS, desde 2018 a pasta não possui mais uma demanda reprimida quanto aos exames voltados à saúde da mulher.
Em casa, quadros clínicos se agravam e demanda fica reprimida
O Hospital-Escola da Universidade Federal de Pelotas (HE-UFPel) é referência municipal em procedimentos oncológicos. A chefe da unidade de Hematologia e Oncologia, Cristiane Petrarca, ressalta que apesar da procura ter baixado, o número de pacientes não deixou de existir. Por mês, cerca de seis mil passam pela unidade, em busca de consultas, exames e aplicação de medicamentos. “Sempre há uma fila para diagnósticos, e ela segue existindo. Os pacientes deixaram de procurar as unidades e passaram a procurar o Pronto-Socorro, quando sentiram dores ou outros sintomas”, afirmou.
Ou seja, quem deixa de realizar os exames preventivos, ao procurar o atendimento médico, tem uma maior possibilidade de apresentar um quadro com estágios mais avançados e já com sintomas condizentes com os tipos de câncer. “Uma mamografia de rotina, por exemplo, é pra identificar uma doença antes mesmos dos sintomas aparecerem. O que dá mais chances de recuperação ao paciente”, completou a chefe do setor. Quanto maior a demora, também são menores as chances de cura da doença; muitos acabam por nem ter essa possibilidade. A oncologista chefe da unidade analisa que, nos próximos meses, esse será o cenário enfrentado: pacientes chegando dia após dia com casos ainda mais graves.
Uma saída para contornar o agravamento do quadro dos paciente foi a teleconsulta. Alguns profissionais do setor, por pertencerem aos grupos de risco à Covid-19, trabalham de casa, dedicados a ligar para os pacientes que seriam atendidos. A consulta fica registrada em prontuário e, se necessário, a pessoa é encaminhada para alguma das Unidades Básicas. Com isso há o remanejo nas datas de retirada e aplicação de medicações, sem causar prejuízos aos pacientes. Só em maio o fluxo na unidade baixou em quase duas mil pessoas. “É uma situação muito complexa de medir o risco-benefício. É como trocar um pneu com um carro ainda andando”, frisou a oncologista.
A mesma estratégia foi utilizada nas seis UBS sob coordenação do setor de Saúde Coletiva da UCPel. A busca ativa se tornou uma grande aliada do momento, principalmente no caso dos pacientes há muito conhecidos por queixas contínuas. “Não posso esperar que o paciente venha à Unidade. Precisamos ligar e perguntar, fazendo uma busca ativa”, frisou o médico responsável pela coordenação, Cayo Lopes. Ele acredita que os pacientes estão divididos entre o medo de se deslocar até as Unidades e o cumprimento das medidas de isolamento social. “O medo foi o sentimento que mais fluiu entre todos, sejam os leigos ou entre os profissionais da saúde”, ressalta. As UBS vinculadas à Universidade ficam localizadas no Areal e nos loteamentos do Fátima, Py Crespo, Pestano, Sanga Funda e Lindóia.
E o médico lembra: a demanda reprimida será uma consequência desse período com diminuição da procura. A retomada gradual é uma alternativa para diminuir essa fila. Não só os exames de check-up ficaram em segundo plano, como também os atendimentos de pacientes em condições crônicas. Passaram a se deslocar às UBS somente aqueles com queixas agudas; ao todo, 1.300 ligações foram feitas aos assistidos, incluindo grupos crônicos, aqueles com consultas de rotina marcadas e gestantes. “De um modo geral, só em março e abril a queda foi superior a 60% em toda a atenção básica”, explicou.
Comparativo das solicitações de exames de 2019 para 2020
2019 2020 Queda em %
Ultrassom mamário 470 181 61%
Ultrassom Transvaginal 387 167 51%
Mamografia bilateral 1.890 674 64%
Mamografia Unilateral 280 58 79%
Fonte: Secretaria Municipal de Saúde/dados de março, abril e maio de 2019 e 2020
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